Gratidão foi lançado em 2002. Aos 24 anos Ademir Junior mostrava ao mundo suas singularidades tanto no Sax Tenor quanto na Clarineta. Composições e performances ricas em melodias e contexto estilísticos do jazz e da música brasileira são a grande característica do seu primeiro álbum.

Músicas

1 - Abertura
00:05:48
2 - Letícia
00:05:25
3 - Gratidão
00:05:34
4 - Verão
00:04:44
5 - Brasília
00:05:29
6 - Eriva
00:04:44
7 - Memória
00:06:24
8 - Lembranças do Sertão
00:02:34
9 - Oriente-Ocidente
00:04:50
10 - Ai tem!
00:04:39
11 - Larissa
00:05:27
12 - Em Paz
00:02:59

O trabalho desse álbum foi um apanhado de várias composições que eu já tinha dentro dos últimos 4 anos. Percebi a oportunidade e o momento de iniciar uma maior exposição artística por meio de um Cd. Contei com grandes músicos, todos oriundos ou que já tinha morado em Brasília. Lula Galvão, Moises Alves, Jorge Helder, André Vasconcellos, Erivelton Silva, Marcelo Maia, Tiago Rosbak, Pedro Ferreira, Pedro Junior, Luciana Stadniki, Marcos Wander, Paulinho de Castro, Ebes Vaz, Cleiton Sousa, Marcos Santos, Ivan Gomes, Paulinho Trombone, Marco China. Interessante isso, porque ainda era uma época que tínhamos grande admiração por músicos do RJ e SP, mas também era uma realidade o fato de Brasília ter grandes músicos a nível nacional e internacional já em 2001 e claro, muito antes disso. Diferente do que sonhamos que era ter um patrocinador, um produtor e gravadora para bancar e direcionar muita coisa, acabei fazendo tudo de mangas arregaçadas e no braço como costumamos dizer. Não foi fácil, gastei um ano para poder bancar todos os custos desse primeiro trabalho, que só demorou esse tempo todo por conta de logística financeira mesmo. Esse primeiro Cd foi uma realização pessoal desde minha infância musical, e foi como um primeiro filho, aliás todos meus cds para mim são como filhos, onde tento expressar neles o meu melhor e minha identidade do momento. Decidi por esse titulo pelo momento de real Gratidão a Deus pelo que qual eu estava passando, estava tudo em ordem e se desenvolvendo naturalmente em minha vida. Nesse período já tinha 8 anos que eu estudava harmonia de forma visceral. Pode soar estranho, mas a minha realidade aqui e na época, harmonia não era algo que muitos músicos de sopro dominavam ou mergulhavam a fundo, não tantos, na verdade. Essa cultura mudou muito nos últimos 10 anos, e multiplicou-se bastante o interesse e domínio por parte de muitos instrumentistas de sopro, o que claramente elevou muito o nível musical da cidade. Apesar de avaliar como um trabalho consistente na improvisação, ainda não o avalio como algo tão consistente na parte harmônica, porque uma coisa é conhecer e dominar acordes, outra coisa é fazer deles algo temático em um trabalho melódico. Por isso considero esse primeiro trabalho um excelente laboratório, com temas interessantes, mas não algo tão profundo ainda, que são níveis que só vamos ganhando ao longo do tempo e da experiência. Outra coisa importante a falar é que eu tinha 7 anos como saxofonista e só nesse ultimo ano achei que tinha chegado em uma concepção de timbre mais madura a ponto de me expor a um trabalho como solista, fator que me impulsionou a enfrentar esse desafio pessoal. 

Abertura – Um tema intenso inspirado no tema Havona da banda Weather Report, Composto em 1998. O baixo que o André Vasconcellos fez foi a pedido que fosse algo que lembrasse o baixo do Jaco Pastorius nessa mesma música. O tema é libertário e vem carregado de esperança em suas próprias frases. O Erivelton seguiu também essa mesma dinâmica. A segunda parte tem várias modulações e os tons só sobem trazendo mais clímax até o momento do solo de teclado feito pelo Pedro Ferreira. Pedi a ele que seguisse uma linha mais livre ritmicamente ele faz um lindo solo nesse momento. Logo após o solo de sax que inicia carregado nas inspirações maiores que eu tinha na época, Michael Brecker e Branford Marsalis. Às vezes pode parecer bem antagônicos, mas eram os que eu mais ouvia nesse período. Gostaria de dizer detalhe por detalhe desse solo, mas vou deixar isso para futuros workshops. Passados 14 anos após essas gravações, parecem que todos os momentos ainda estão vivos em minha memória, porque foram carregados de intensidade.

Leticia – Esse baião leva o nome da minha primeira filha, compus em 1998, pouco depois do nascimento dela, e por muito tempo me perguntei porque esse tema levaria o nome da minha filha, passados 17 anos, percebo no jeito dela que a escolha caiu bem e tem muito a ver com ela. Como em várias composições minhas, gosto muito de ostinatos e grooves de baixo porque na maioria das vezes eles me dizem como será a música. Simplesmente eles nascem e depois geram as melodias das minhas músicas, e isso acontece na maioria dos casos. Na introdução em D menor modo éolio aparece esse ostinato do baixo, bem rustico até que o tema principal da música surge e leva o estilo de melodia aberta no baião até a segunda parte, quando a harmonia muda para uma série de II-V-I em vários centros tonais. Solos do Moisés Alves, trompete, Lula Galvão, guitarra, e eu de Clarineta, com uma pequena ponte até o inicio do solo.

Gratidão – Esse é o tema do Cd. Foi composta em 1997, e tinha um outro ritmo e compasso, que na verdade não me lembro mais, depois acabei percebendo que a melodia poderia ser inserida em algo bem mais simples, sendo assim mais valorizada e percebida sem ser ofuscada por algo mais complicado. A vassourinha da bateria faz um trenzinho inspirado em Better Days Ahead do Pat Metheny. A melodia é suave e tenta expressar momentos de devoção e gratidão espiritual. Foi uma linda fase que vivi e tive diversas experiências pessoais nessa época que marcaram o desejo de fazer desse álbum uma expressão de agradecimento a Deus por tudo que eu já tinha vivido. A segunda parte vem com um canto em uníssono de metais e sopros, onde a clarineta segue improvisando ao longo desse momento máximo da música. Verão – O clima tropical do verão me inspirou a escrever esse tema. Clima de praia, água de cocô, surf, férias e muita coisa boa. O tema é caliente e traz uma mistura do que Brasília absolve sobre vários estilos. Chá-chá-chá, rock, mambo e jazz estão presentes nesse tema.

Brasília – Uma Bossa nova, usar apenas um estilo para retratar essa linda cidade não foi a intenção nessa composição, mas toda cidade tem seus momentos, lugares, costumes e estilos. Tem algo na minha cidade que gosto muito, que é a noite. Nasci em Brasília, aprecio o lindo pôr do sol daqui que é sem igual, e a vida noturna aqui tem suas peculiaridades. Quando compus esse tema de apenas 26 compassos, quis deixar isso a mostra, a tranquilidade que vivia aqui, com toda uma vida cotidiana, dinâmica também, mas que sempre me levava a tantas inspirações ao fazer música, estar com os amigos e curtir minha família.

Eriva – O Erivelton foi o primeiro baterista brasileiro de alto nível que toquei. Uma referencia para muitos outros bateristas. Apesar de na época ele ser muito conhecido pelo samba sem igual que tocava, resolvi compor esse baião em homenagem a esse amigo de tantos sons. Inicialmente era uma valsa jazz, mas usei a mesma métrica e encaixei em uma baião, o resultado foi muito interessante pra tocar. Ele mesmo tocou essa faixa de difícil execução também pra clarineta e pro trompete que foi gravado pelo Moises Alves. Fizemos um belo diálogo de amigos e depois surge um lindo interlúdio como um canto feito por metais e sopros que leva até o solo de guitarra midi feito pelo Pedro Junior. Ao final aparece até mesmo o flautim da Luciana Stadiniki e uma segunda voz de clarineta. Tocar esse tema é uma verdadeira diversão, das perigosas.

Memória – Uma simples balada composta para o professor e grande trompetista Nailson Simões. Solo especial de guitarra do Pedro Junior. Lembranças do sertão – Uma sequencia de pequenos temas em baião, com apenas a clarineta e a percussão tocada pelo Paulinho de Castro. Quando compus imaginei uma clarinetista viajando pelo sertão com sua clarineta que em cada cidadezinha tocava um novo tema. As melodias são bem características e intuitivas, simples e alegres.

Oriente-Ocidente – Essa divisão foi feita pelo homem, mas ela não existe de fato, senão na cultura e sociologia. Somos um povo apenas, uma raça, e se algum dia o homem entender que dividir e segregar foi e é ainda o pior caminho para nossa humanidade, talvez ainda tenhamos esperança de um mundo melhor. Esse tema é pacífico e foi inspirado em ver a paz entre povos de lados diferentes, unindo culturas, povos e raças sem que se perca suas características, mas ampliando e mostrando a riqueza que há em cada nação sem que seja necessário a discórdia.

Larissa – Composto poucos meses após o nascimento da minha segunda filha, Larissa. Uma canção simples, singela e doce de ouvir. Mais um lindo solo do Pedro Junior no violão.

Ai tem – Um baião com melodia característica do jazz quartal em pentatônicas. Tudo na verdade uma grande preparação para os solos dentro da harmonia do Giant Steps de John Coltrane, um dos temas que mais estudei e estudo até hoje. Com uma pequena ponte modal entre um solo e outro. A paz – É quase que uma oração de gratidão, sem acompanhamento nenhum, apenas o sax livre e compenetrado em sua mais profunda devoção.